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HPV e câncer do colo de útero: diagnóstico e prevenção

25 de Abril de 2023
Artigos & Matérias
Por Flávio Zucchi*, ginecologista e obstetra, com mestrado e doutorado em prevenção de câncer do colo uterino e Papilomavírus Humano (HPV)

Esse tipo de tumor demora uma década para crescer e se instalar de vez. Antes disso, a medicina diagnóstica oferece mais de uma medida eficaz para acompanhar os casos de alto risco

 

17.010 mulheres serão diagnosticadas com câncer de colo do útero apenas em 2023, segundo dados projetados pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA), o que faz desse tipo de tumor o terceiro mais incidente entre as brasileiras. O também chamado câncer cervical é uma doença séria, cuja causa é uma infecção sexualmente transmitida (IST) provocada pelo papilomavírus humano, o HPV, especialmente os subtipos 16 e 18 que, juntos, somam 70% dos diagnósticos de câncer e lesões pré-cancerosas. E essa é justamente a minha área de atuação. 

Hoje, passo metade do meu tempo dando aulas de pós-graduação nesses temas e nos momentos restantes atendo na clínica e faço cirurgias minimamente invasivas, especialmente das doenças pré-invasivas do colo uterino. Por isso, na minha prática diária, tenho bastante contato com o diagnóstico de HPV e a prevenção do câncer de colo de útero, acompanhando a evolução dos métodos diagnósticos empregados. 

Acompanhe a entrevista completa com Flávio Zucchi aqui


Antes e hoje

Desde a minha formação em medicina, em 1976, e passando pelos anos 1990, quando  fiz mestrado e doutorado na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM- Unifesp), acumulo mais de duas décadas estudando especificamente colposcopia e toda patologia do trato genital inferior da mulher. 

Durante todo esse período e até hoje, o papanicolau ainda permanece sendo o exame de screening para o câncer de colo de útero mais feito no mundo inteiro por ser um método mais barato e mais acessível. Entretanto, a biologia molecular — que não é recente, vale a pena frisar — está se tornando cada dia mais acessível, com seus biomarcadores sendo usados para o diagnóstico precoce do HPV e, portanto, de uma possível lesão cancerosa. 

“A tendência mundial hoje é que se substitua a citologia oncótica pela citologia em meio líquido para a identificação e hibridização do HPV”


Mas é importante deixar claro que os conceitos entre os dois métodos diagnósticos são muito diferentes entre si. Muito provavelmente, em um futuro próximo, o papanicolau deve ser substituído pela citologia em meio líquido, que identifica o DNA do HPV e, justamente por isso, é fundamental uma atenção maior do médico que está pedindo o exame para a interpretação do resultado de cada exame: enquanto a citologia oncótica é mais específica, a biologia molecular é muito mais sensível. 

Por exemplo, quando há um esfregaço de citologia oncótica com resultado positivo, está claro que existe uma célula já infectada pelo HPV e portanto há uma IST estabelecida. O método me ajuda a constatar que o vírus entrou no núcleo da célula e a destruiu. Por outro lado, na citologia em meio líquido, a detecção da presença de DNA de HPV não significa uma infecção em si, mas apenas o risco de que ela aconteça.  Essa diferenciação é essencial à prática clínica porque cerca de 80% das mulheres sexualmente ativas terão o vírus do HPV em algum momento de suas vidas. E nós, como médicos, temos que estar atentos ao risco de uma infecção que pode levar ao câncer. 


Rumo ao futuro

Alguns anos adiante, com a popularização dos exames diagnósticos de biologia molecular  estaremos aptos a selecionar as mulheres com alta carga viral detectada de maneira persistente para que realizem colposcopia e, possivelmente, até mesmo uma biópsia para que o diagnóstico do câncer de colo do útero  seja concluído.

“O exame de papanicolau indica a presença da doença instalada. Já o PCR de HPV identifica o DNA viral e mostra o risco de a doença se instalar”


A presença do DNA de um vírus como o HPV não significa a presença da doença em si e isso precisa estar bem claro tanto para os profissionais de Saúde como para as pacientes. O vírus pode estar latente e ter um fragmento detectado pela sensibilidade do teste. É possível até que a mulher tenha esse DNA detectado durante toda a sua vida, sem que o câncer se desenvolva — algo que faz com que os patologistas aprendam a lidar com essa nova realidade e não exagerem nos pedidos de exames para detecção do risco. 

A  Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), a Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (SOGESP) e até a Organização Mundial da Saúde (OMS) já prepararam diretrizes para a adoção do exames de biologia molecular para a identificação do risco de câncer cervical e muitos países desenvolvidos têm adotado essa prática em larga escala, pois conseguem absorver o maior custo desse tipo de kit diagnóstico. 

A estratégia tem sido eficiente porque, ao final, reduz o número de colposcopias realizadas anualmente. No entanto, aqui no Brasil, a colposcopia é um exame barato e até faz parte da rotina anual de check-up ginecológico, sendo realizada em diversos laboratórios. 

"Um grande cuidado dos ginecologistas é saber o momento certo de pedir o exame PCR para investigação de HPV e como interpretar o resultado para suas pacientes. Isso porque muitas vezes o exame é positivo sem que isso signifique o risco de uma IST ou do desenvolvimento de um câncer”


Livre do estigma

O HPV é a IST viral mais comum que existe, afetando mais da metade da população sexualmente ativa no Brasil [54,6% segundo um estudo recente da Fiocruz], mas como a doença é repleta de estigmas, é preciso que todos aprendam saibamos logo a separar bem o que é uma verruga genital de uma lesão pré-cancerosa e, principalmente, do risco de uma neoplasia se desenvolver. 

A verdade é que uma verruga genital nunca vai virar um câncer do colo de útero, pois é causada pelo subtipo 6 do papilomavírus humano, enquanto os kits diagnósticos de biologia molecular costumam ter genotipagem que vão atrás dos sete subtipos de alto risco para uma neoplasia, entre eles os 16 e 18, considerados mais oncogênicos. 

Em suma, prevenção do câncer cervical, seja da forma como for, é a medida de saúde pública mais importante para evitar um desfecho clínico de óbito para muitas mulheres, o que é altamente possível nesse caso, em que a doença leva cerca de dez anos para se desenvolver. Gosto de citar a importância da prevenção com esse dado: se uma mulher realizar ao menos um exame papanicolau ao longo da sua vida, o número de câncer de colo de útero no Brasil vai diminuir em 40%. Se isso acontecer junto com os exames de biologia molecular e mais a vacinação contra o HPV, então, estaremos verdadeiramente evitando o câncer em muitas mulheres.

*Depoimento de Flávio Zucchi concedido  à jornalista Renata Armas, da agência essense. 

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