Corro o risco de contrariar um entendimento generalizado, mas problemas complexos e tabus exigem de nós conversas abertas e que ofereçam uma saída possível para a crise de saúde mental que vivemos. É com essa intenção que trato aqui do tema burnout.
Todo o mundo tem seus problemas, e muitas dessas batalhas podem estar relacionadas à nossa atividade profissional, até porque não existe local de trabalho perfeito nesse mundo. Mas resumir o burnout ao excesso de produção me parece uma saída simplista para um tema de tamanha profundidade. É por isso que entendo o burnout como uma consequência imediata do colapso de todo um sistema de crenças. Ele é resultado de um propósito distorcido: quando aquilo que chamamos de “vocação” se transforma em cobrança silenciosa. Vou explicar.
Em geral, as pessoas que conheci e que reportaram burnout têm duas características em comum: são super trabalhadoras e assumem voluntariamente a responsabilidade por algo que consideram grande. Escolhem o maior fardo que conseguem carregar e se propõem a fazê-lo em prol do desenvolvimento pessoal e profissional. Para elas, essa vocação significa o fortalecimento de seu caráter; não há outra escolha. E essa premissa é um erro.
O problema maior acontece quando a busca por realização no trabalho está ancorada na aceitação e validação externas. Na obediência e na conformidade. É nessa hora que a liberdade é substituída pela recompensa - ou pela punição. Assim, esse mesmo indivíduo, antes bastante solícito, perde a vontade, a potência e a sua força de criação.
Vejo um paralelo entre o que denominamos burnout com o que Nietzsche chamou de escravidão moral. Ou seja, uma prisão do prazer que se tem em saber que não pode ser substituído. Em última instância, o burnout acontece sempre que uma pessoa perde o contato com o inefável - “aquilo que não pode ser explicado nem medido, mas que dá sentido à nossa existência”, pela definição da palavra.
Quando o burnout acontece, eu entendo a ação de buscar a ajuda do chefe, ou de qualquer outra pessoa em quem confiamos. É da nossa natureza buscar explicação e solução fora de nós. Mas temos que considerar que os líderes estão expostos a um ambiente de trabalho semelhante. Afinal, dentro da empresa, as metas entre chefes e subordinados costumam ser complementares, e a cultura e a colaboração na organização são as mesmas para todos.
Sei que é difícil enxergar clareza quando se está na hora mais escura, mas é olhando para dentro que se encontra a resposta. Pergunte-se sempre: “será que esse fardo que eu estou carregando é realmente meu? ”
Nossa geração, a dos nascidos entre os anos 70 e 80, é - e continuará sendo - reconhecida como a que mais trabalhou na história da humanidade. Claro que digo isso em relação a atividades de cunho mais intelectual do que manual. Mas a verdade é que temos um volume imenso de e-mails, notícias e informações que precisamos ler e responder, resultados e prazos que precisamos entregar, e dificilmente daremos conta de tudo isso. É frustrante e desperta uma culpa enorme, além de medo de não estar fazendo o que é esperado de nós.
Daqui a dez anos, prevejo que essa realidade será muito diferente. Teremos agentes de inteligência artificial que farão grande parte do trabalho por e para nós, aliviando o fardo das gerações futuras. Só que não podemos esperar por essa realidade. Precisamos repactuar com a gente mesmo os verdadeiros fardos que queremos carregar.
O burnout não é uma fraqueza, e sim um alerta de que o caminho em construção pode estar moldado em expectativas que, talvez, não sejam mais verdadeiras. E você pode me perguntar: como sair desse lugar de completo esgotamento mental? Como, depois de ter me afastado do trabalho por burnout, posso voltar e ficar bem novamente no mesmo lugar? Para mim, só existe uma resposta e um caminho: conectar-se com o inefável. Prazer criativo, silêncio e presença são características que deveríamos buscar, antes de tudo, em nós mesmos.
Minha sugestão é que você se lembre do seu propósito inicial e retorne para ele, sem medo de ser substituível ou incompleto diante da expectativa dos outros, e repactue suas metas, objetivos e entregas de acordo suas próprias ambições.
Pode até ser que, ao fazer tudo isso, você note que não é mais a pessoa certa para determinado cargo, o que pode ser assustador. Mas é só assim que você poderá se sentir verdadeiramente livre - e descansado - de todo esse esgotamento mental.
Essa semana, enquanto dirigia para o trabalho e pensava sobre este texto e no que deveria dizer para contribuir com assunto, o algoritmo me indicou música: “Sujeito de Sorte”, do Belchior [ouça aqui].
A letra dessa canção me pareceu com a história do cara que se reencontrou com o inefável: “Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro.” É como se ele deixasse o fardo para trás e partisse para fazer tudo diferente daquele instante em diante. Isso já aconteceu com você?
Para quem chegou até aqui e já passou por uma experiência de burnout, me conte nos comentários como fez para sair desse lugar e voltar a encontrar o prazer perdido. Vou adorar conhecer a sua história.
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*Marcos Philippsen é líder nas Américas da EUROIMMUN, empresa de diagnóstico in vitro que une o saber científico, a excelência e o comprometimento com a vida para acelerar os avanços da medicina diagnóstica e, assim, construir uma sociedade mais saudável para todos.
Olá, sou a Josie,
a nova assistente virtual da
EUROIMMUN Brasil.