A doença renal nem sempre apresenta sintomas. Ao contrário, é comum o paciente chegar ao consultório do nefrologista para receber o diagnóstico quando mais de 50% da função renal está comprometida. Entre exames laboratoriais e de imagem, a causa da insuficiência renal crônica será cuidadosamente investigada, mas acontece de o paciente realizar todos os testes sem que nenhum apresente achados relevantes. Nessa hora, é preciso pensar em uma doença autoimune.
Para confirmar essa hipótese diagnóstica, hoje já existem testes de imunofluorescência indireta capazes de detectar autoanticorpos específicos que comprometem a função renal. O kit anti-THSD7A é um exemplo: ele é capaz de investigar se o paciente produz anticorpos contra essa proteína de uma maneira simples e rápida, o que otimiza o diagnóstico precoce.
Antes de compreender o raciocínio que possibilitou o desenvolvimento do kit, é fundamental conhecer mais sobre essa proteína. A THSD7A é uma glicoproteína localizada na membrana plasmática de uma célula chamada podócito, onde estão as chamadas proteínas integrais que fazem parte da comunicação celular. Os podócitos, por sua vez, têm papel de destaque como uma parte filtrante do rim. Na fisiopatologia do órgão, os néfrons são estruturas que realizam a filtragem do sangue e, dentro deles, há os glomérulos. “É justamente nos glomérulos que estão os podócitos, formando uma barreira para a filtração do sangue e impedindo que moléculas essenciais ao organismo, como as proteínas, sejam eliminadas pela urina”, conta Juliana Garotti, PhD especialista em autoimunidade e neurologia da EUROIMMUN Brasil.
Quando há alterações nas moléculas de superfície do podócito, elas podem demandar uma resposta imunológica com ligação de anticorpos, ativação do complemento e dano celular. Isso acarreta em perda de proteínas pela urina (proteinúria), destruição da barreira glomerular, iniciando a progressão para doença renal crônica.
Existem dois biomarcadores para identificar doenças renais provocadas por autoimunidade. Um deles é justamente a THSD7A (trombospondina tipo 1 com domínio contendo 7A) e o outro é a PLA2R, que também é uma glicoproteína localizada nos podócitos. Ambos podem ser investigados por meio de testes sorológico que usam a técnica de imunofluorescência indireta. “São kits simples de serem executados, e a positividade se dá através da visualização de um padrão amplo de fluorescência, uma vez que os anticorpos anti-THSD7A do paciente irão reagir com o substrato do BIOCHIP da lâmina”, detalha Juliana.
Normalmente o paciente com a doença autoimune que acomete os rins chega ao consultório com queixas como inchaço ou presença de sangue na urina. E os primeiros exames realizados, como dosagens de creatinina, ureia e proteinúria, normalmente já mostram alterações na função renal. Mas existem dois tipos de nefropatias membranosas, as primárias e as secundárias. Portanto, o nefrologista, por meio da anamnese, vai descobrir se outras condições podem justificar os indicativos laboratoriais para a doença, como as hepatites, por exemplo. “Se o paciente não tiver nenhum histórico para a doença secundária e os resultados dos testes estiverem alterados, é hora de confirmar a nefropatia membranosa primária, provocada por autoimunidade”, resume a especialista.
Os antígenos PLA2R e THSD7A são amplamente reconhecidos como os principais alvos de autoanticorposda nefropatia membranosa primária, e a utilização de kits pelo método de imunofluorescência indireta garante uma maior acurácia e especificidade no diagnóstico da doença. Além disso, trata-se de um teste não invasivo, realizado por meio de amostra de sangue do paciente (soro ou plasma).
“O novo kit de imunofluorescência indireta - anti-THSD7A é um teste CBA (cell based assay) baseado em células transfectadas, ou seja, células humanas que tiveram a inserção da sequência de DNA específica codificante para essa proteína . Então, ao acrescentar a amostra do paciente, apenas os autoanticorpos específicos contra THSD7A se ligarão ao antígeno alvo, apresentando, portanto, uma especificidade de 100%”, explica Juliana, acrescentando que a sensibilidade do kit atinge 94%.
A nefropatia membranosa primária acomete de três a quatro pessoas a cada 100 mil habitantes, o que a qualifica como uma doença rara. Entre os casos diagnosticados, de 70% a 80% são decorrentes dos autoanticorpos PLA2R e apenas de 2,5% a 14% são provocados pelo THSD7A. “A detecção dos dois antígenos alvo PLA2R e THSD7A permite a diferenciação entre nefropatia membranosa primária e nefropatia membranosa secundária”, justifica Juliana,
Por fim, por ser uma doença autoimune, o tratamento será feito com imunossupressores. “E mesmo após o diagnóstico fechado, vale monitorar se os autoanticorpos estão altos ou não por meio de testes monoespecíficos que realizam essa quantificação", conclui a especialista.
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